Censura no Rock Brasileiro nos anos 80

Censura no Rock Brasileiro dos Anos 80: Resistência e Rebeldia

Sociedade

A censura no rock brasileiro não é a primeira coisa que vem à mente quando pensamos em censura musical no Brasil, frequentemente nossas lembranças nos levam à Música Popular Brasileira (MPB) dos anos 60 e 70, marcada por letras poéticas e metáforas engenhosas que desafiavam o regime militar.  

No entanto, a repressão não terminou com a abertura política. Durante os anos 80, o rock brasileiro, conhecido como BRock, também enfrentou a censura, especialmente antes da promulgação da Constituição de 1988, que consolidou o fim da ditadura militar.  

Este artigo explora o contexto histórico e social dos anos 80 no Brasil, o impacto do BRock como movimento cultural e os casos emblemáticos de músicas e bandas que foram alvos da censura, revelando como a juventude usou o rock para expressar revolta e esperança em um período de transição. 

Panorama Histórico e Social dos Anos 80 no Brasil 

Os anos 80 no Brasil foram uma década de rupturas e reconstruções.  

Após mais de duas décadas de ditadura militar (1964-1985), o país vivia um processo de abertura política gradual, iniciado no final dos anos 70. A campanha das Diretas Já em 1984 mobilizou milhões de brasileiros nas ruas, exigindo eleições presidenciais livres, um marco na luta pela redemocratização. Apesar disso, a transição foi lenta e marcada por contradições. A eleição indireta de Tancredo Neves em 1985, seguida por sua morte antes da posse, colocou José Sarney no poder, em um governo que enfrentou crises econômicas severas, com inflação galopante e estagnação, apelidada de “década perdida” pelos economistas. 

Socialmente, a juventude dos anos 80 buscava identidade e liberdade em um país que ainda carregava as cicatrizes da repressão. A censura, instaurada pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 1968, continuava a moldar a produção cultural, embora de forma menos rígida. A Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) analisava previamente todas as obras artísticas, incluindo músicas, decidindo o que poderia ou não ser consumido pelo público.  

Nesse cenário, o rock brasileiro emergiu como um canal de expressão para uma geração que cresceu sob a ditadura e sonhava com mudanças, misturando rebeldia, crítica social e um enorme desejo de liberdade. 

O Que Foi o BRock dos Anos 80? 

O rock no Brasil teve suas raízes nos anos 50, com versões de sucessos internacionais, como “Rock Around the Clock” por Nora Ney. No entanto, foi nos anos 80 que o gênero alcançou sua maturidade, tornando-se um fenômeno de massas conhecido como BRock. Influenciado por movimentos globais como punk, pós-punk e new wave, o BRock incorporou elementos da música brasileira, como MPB, reggae e samba, criando uma sonoridade única que refletia a realidade do país. 

Bandas como Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho formaram o chamado “Quarteto Sagrado” do BRock, liderando um movimento que conquistou as rádios e os corações de milhões de jovens. Outros nomes, como Blitz, RPM, Kid Abelha, Engenheiros do Hawaii, Plebe Rude e Ira!, também marcaram a década com letras que variavam entre o romantismo, a crítica social e a contestação política. O BRock não era apenas música; era um movimento cultural que dialogava com os anseios de uma geração em busca de voz e identidade. 

O marco inicial do BRock é frequentemente atribuído ao sucesso de “Perdidos na Selva” da Gang 90 e as Absurdettes em 1981, seguido pelo hit “Você Não Soube Me Amar” da Blitz em 1982, que chegou a ser trilha sonora da novela Sol de Verão. A primeira edição do Rock in Rio em 1985 consolidou o gênero, com apresentações de Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso, que elevaram o rock brasileiro ao status de mainstream. 

A Censura no BRock: Letras Sob o Olhar do Regime 

Embora a censura seja mais associada à MPB dos anos 60 e 70, com artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil usando metáforas para driblar a repressão, o rock dos anos 80 também enfrentou restrições significativas. Até a extinção da DCDP com a Constituição de 1988, letras de rock foram vetadas ou alteradas por motivos que iam desde críticas políticas explícitas até conteúdos considerados imorais ou ofensivos aos “bons costumes”. 

Censura no Rock Brasileiro - Legião Urbana - Faroeste Caboclo

Exemplos de Bandas e Músicas Censuradas 

  1. Legião Urbana – “Faroeste Caboclo” e “Conexão Amazônica” – A banda de Renato Russo, um dos ícones do BRock, enfrentou a censura em seu álbum Que País é Este (1987). A música “Faroeste Caboclo”, uma épica narrativa de quase nove minutos, foi inicialmente vetada em rádios devido a termos considerados ofensivos, como referências a violência e linguagem explícita. Apesar disso, a canção tornou-se um hino da juventude, tocada em versões editadas ou em apresentações ao vivo. Já “Conexão Amazônica” foi proibida de execução pública por aludir ao tráfico de drogas, com versos como “A cocaína não vai chegar / Conexão amazônica está interrompida”. Curiosamente, a faixa-título “Que País é Este” escapou da censura, apesar de sua crítica direta ao sistema político: “Nas favelas, no Senado / Sujeira pra todo lado / Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da nação”. 
  1. Blitz – “Cruel, Cruel Esquizifrenético Blues” e “Eugênio” – A carioca Blitz, conhecida por seu rock teatral e irreverente, teve duas faixas de seu álbum de estreia, As Aventuras da Blitz 1 (1982), vetadas pela censura. As músicas “Cruel, Cruel Esquizifrenético Blues” e “Eugênio” foram consideradas inadequadas devido a trocadilhos e expressões como “peru” e “bundando”, vistas como ofensivas pelos censores. Para lançar o disco, a banda precisou riscar manualmente 30 mil cópias do vinil, tornando essas edições itens raros entre colecionadores. 
  1. Camisa de Vênus – “Espinha”, “Império dos Sentidos” e “Rubens” – O álbum Grande Coisa (1986) da banda baiana Camisa de Vênus teve três faixas censuradas: “Espinha” (sobre masturbação), “Império dos Sentidos” (sobre adultério e casas de massagem) e “Rubens” (sobre amor homossexual). A última foi regravada por Cássia Eller em seu álbum de estreia, mas na época a censura considerou o tema inadequado. O disco foi relançado em 1988 com o título Liberou Geral, celebrando o fim da censura. 
  1. Lulu Santos – “Ro Que Se Da Ne”Em seu álbum Lulu (1986), Lulu Santos enfrentou a censura com a música “Ro Que Se Da Ne”, que narrava uma história de abuso de poder por um executivo de gravadora, com versos explícitos como “O cara fuma, bebe e cheira / Fuma e quer pegar no meu pau”. A canção foi vetada, e o disco nunca foi reeditado em CD, tornando-se um marco da resistência contra a repressão. 
  1. Inocentes – “Miséria e Fome” – A banda punk Inocentes teve seu álbum de estreia, previsto para 1983, reduzido a um compacto com apenas quatro faixas liberadas. Músicas como “Tortura, Medo e Repressão”, “Maldita Polícia” e “Vida Submissa” foram vetadas por criticarem a repressão e as condições sociais do país. Em 1988, com o fim da censura, o álbum foi relançado com as faixas originalmente proibidas. 
  1. Lobão e os Ronaldos – “Teoria da Relatividade” – Lobão, conhecido por sua atitude provocadora, também enfrentou a censura em seu segundo álbum, Cena de Cinema (1984). A música “Teoria da Relatividade” foi vetada por motivos não totalmente claros, possivelmente por trocadilhos ou críticas implícitas ao regime. Lobão, com seu estilo irreverente, tornou-se símbolo de resistência ao desafiar as restrições. 

Playlist: Ouça as Músicas Censuradas do BRock Anos 80 

Mergulhe na rebeldia e na energia do rock brasileiro dos anos 80 com esta playlist exclusiva no Spotify! Reunimos as músicas que desafiaram a censura, de hinos épicos como “Faroeste Caboclo” da Legião Urbana a faixas provocadoras como “Ro Que Se Da Ne” de Lulu Santos. Descubra os sons que marcaram uma geração e resistiram à repressão, celebrando a luta pela liberdade de expressão. Aperte o play e sinta a força do BRock! 

A Diferença da Censura no Rock em Relação à MPB 

Enquanto a MPB dos anos 60 e 70 usava metáforas sofisticadas para contornar a censura, o rock dos anos 80 era mais direto, refletindo a rebeldia da juventude e a influência de gêneros como punk e new wave. Músicas como “Geração Coca-Cola” da Legião Urbana criticavam abertamente o consumismo e a influência cultural norte-americana, enquanto “Polícia” dos Titãs atacava a repressão estatal. Essa abordagem franca muitas vezes chocava os censores, que viam nas letras do rock uma ameaça à ordem social. 

A censura no BRock também se diferenciava por atingir temas considerados “imorais”, como sexualidade e drogas, além de críticas políticas. Enquanto a MPB usava a sutileza, o rock apostava na provocação, o que o tornava um alvo fácil para a DCDP. No entanto, essa repressão só aumentava o apelo do gênero entre os jovens, que viam nas bandas um reflexo de sua própria insatisfação. 

O Impacto Cultural do BRock e o Fim da Censura 

O BRock foi mais do que um gênero musical; foi um movimento cultural que deu voz a uma geração. Bandas como Legião Urbana e Titãs criticavam o sistema e abordavam questões existenciais e sociais, conectando-se profundamente com o público.  

O fim da censura com a Constituição de 1988 marcou uma vitória para a liberdade de expressão, permitindo que o rock brasileiro se consolidasse como uma força cultural. 

O Rock in Rio de 1985 e festivais como o Festival de Águas Claras, conhecido como o “Woodstock brasileiro”, foram palcos para a afirmação do BRock. Esses eventos mostraram que o rock não era apenas rebeldia, era também uma celebração da diversidade e da liberdade.  

Músicas censuradas, como “Faroeste Caboclo”, tornaram-se hinos de resistência, enquanto bandas como Blitz e Paralamas do Sucesso trouxeram leveza e brasilidade ao gênero. 

Censura no Rock Brasileiro - Inocentes - Miséria e Fome
Capa do álbum “Miséria e Fome” da banda Inocentes

Perguntas Frequentes Sobre a Censura no Rock Brasileiro 

Por que o rock brasileiro foi censurado nos anos 80? 
O rock dos anos 80, com letras diretas sobre política, sexualidade e crítica social, era visto como uma ameaça pelos censores da ditadura militar, que controlavam a cultura por meio da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP). 

Quais bandas sofreram mais com censura? 
Bandas como Legião Urbana, Blitz, Camisa de Vênus, Lulu Santos e Inocentes apresentaram faixas vetadas por temas como política, drogas e sexualidade. 

A censura acabou com a Constituição de 1988? 
Sim, a Constituição de 1988 extinguiu o DCDP, garantindo maior liberdade de expressão, o que permitiu a reedição de álbuns censurados, como Grande Coisa da Camisa de Vênus. 

Onde posso ouvir as músicas censuradas do BRock? 
Confira nossa playlist no Spotify com hinos como “Faroeste Caboclo” e “Ro Que Se Da Ne” para reviver a rebeldia do rock brasileiro! 

Conclusão 

A censura no rock brasileiro dos anos 80 é um capítulo essencial para entender o impacto cultural do BRock.  

Em um período de transição política e social, bandas como Legião Urbana, Blitz, Camisa de Vênus, Lulu Santos, Inocentes e Lobão enfrentaram a repressão, mas transformaram suas músicas em símbolos de resistência e liberdade.  

Embora a MPB dos anos 60 e 70 seja mais lembrada pela luta contra a censura, o rock dos anos 80 provou que a rebeldia jovem também tinha muito a dizer.  

Com a Constituição de 1988, o Brasil deu um passo decisivo rumo à liberdade de expressão, e o BRock deixou um legado que continua a inspirar gerações. 

O que você acha? 
Qual música ou banda do BRock dos anos 80 é a sua favorita? Conte nos comentários e compartilhe sua história com o rock brasileiro! 

2 thoughts on “Censura no Rock Brasileiro dos Anos 80: Resistência e Rebeldia

  1. Francyne Sousa diz:

    Muito interessante o artigo! é incrível ver como as bandas souberam se reinventar e continuar transmitindo suas mensagens, mesmo sob tanta repressão.

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