Chico Science

Chico Science: O Gênio que Misturou Mangue e Música para Criar História 

Música

1. O Chamado de um Visionário  

Chico Science foi mais do que um músico que surgiu e alcançou o sucesso em meados da década de 90, em Recife, que na época era considerada a quarta cidade mais perigosa do mundo para se viver; ele foi um símbolo de transformação, que se inspirou no manguezal e fez uma revolução cultural. 

Nascido em Recife, Pernambuco, ele emergiu como uma voz única em um Brasil dos anos 1990 que buscava uma identidade em meio a contrastes sociais e culturais, mas onde as pessoas cultuavam o que vinha de fora do Brasil e repudiavam a cultura regional.  

Mas o que torna sua história tão especial? Como um jovem de origem humilde conseguiu ligar ritmos tradicionais com batidas modernas e deixar um legado que ecoa até hoje?   

O Manguebeat, movimento que ele ajudou a fundar, é uma prova viva de sua genialidade. Mais do que um gênero musical, foi uma resposta à marginalização do Nordeste, uma celebração da lama que nutre vida e da modernidade que conecta o local ao global.  

Vamos conhecer a trajetória de um visionário que, com sua energia inquieta, mudou para sempre o cenário da música brasileira.  

2. Raízes de um Gênio: Quem Foi Chico Science  

Infância em Recife: O Berço de um Criador  

Chico Science, cujo nome de batismo era Francisco de Assis França, nasceu 13 de março de 1966, no coração do bairro Rio Doce, em Olinda, uma cidade vizinha a Recife, capital de Pernambuco.   

Filho de uma família de poucos recursos, ele foi criado em um lar modesto, onde o orçamento era apertado, mas a vida pulsava embalada pela cultura vibrante do Nordeste brasileiro.  

As ruas de Pernambuco foram o primeiro palco da educação musical de Chico Science, um cenário vivo onde ecoavam os tambores graves do maracatu, as melodias suaves da ciranda e os versos improvisados da embolada. Cada canto parecia contar uma história, cada festa popular trazia um ritmo que ele, ainda criança, absorvia com olhos curiosos e ouvidos atentos, assimilando toda aquela sonoridade.  

Desde pequeno, Chico se destacou entre os amigos do bairro, não apenas por sua energia inquieta, que o fazia explorar novas experiências, mas também por uma sensibilidade rara, uma capacidade de enxergar beleza onde outros viam apenas rotina.   

Seus primeiros passos na vida foram acompanhados por esse caldeirão sonoro, uma mistura de tradição e espontaneidade que plantaria as sementes de sua genialidade.  

A Influência de Recife e Seus Manguezais  

Recife, com sua geografia única entrecortada por rios, pontes e manguezais, foi mais do que um pano de fundo para Chico Science; foi uma força que moldou sua visão de mundo e alimentou sua imaginação.   

Os manguezais, com sua lama escura e vida abundante, não eram apenas paisagem, eram um símbolo de resistência, um ecossistema que prosperava apesar do abandono e da negligência. Essa dualidade entre a natureza resiliente e a luta cotidiana dos moradores locais deixou marcas profundas em Chico. Ele cresceu com a força de um povo que, mesmo enfrentando desigualdades gritantes, mantinha viva uma cultura rica e diversa.  

Chico Science não se limitou a observar passivamente esse cenário; ele mergulhou de cabeça em cada experiência. As festas de rua, como o Carnaval de Olinda com seus blocos e bonecos gigantes, enchiam seus sentidos com ritmos e imagens que ele guardava na memória.   

Ao mesmo tempo, as injustiças sociais, as casas precárias ao lado dos mangues, o contraste entre a pobreza e a opulência de outras partes da cidade, despertaram nele uma consciência que estava além da infância. Ele era um jovem que sentia o pulsar da terra e do povo, e essa conexão visceral com suas raízes se tornaria o alicerce de tudo o que ele construiria como artista.   

Em sua juventude passou a beber de outras fontes também, ouvindo o soul de James Brown, os ritmos oriundos da diáspora africana, como o reggae e o ska, os tambores dos terreiros de Umbanda. O rock e a psicodelia de bandas britânicas também influenciaram a obra de Chico Science, que também acompanhava o movimento Hip-Hop. 

O menino do Rio Doce ainda não sabia, mas estava sendo preparado para transformar o que via e ouvia em algo revolucionário no mundo da música.  

3. O Nascimento do Manguebeat: Uma Revolução na Lama  

A ideia de Brotou do Manguezal  

Chico Science, no início da década de 1990, uniu-se a um grupo de amigos visionários, entre eles o músico e poeta Fred Zero Quatro, para dar origem a um movimento que mudaria para sempre a cena cultural brasileira: o Manguebeat.   

Esse nome, uma fusão poderosa de duas palavras, carregava em si a essência de sua proposta. “Mangue” evocava as raízes profundas do Nordeste, os manguezais de Recife com sua lama escuram e fértil, que apesar de ignorado por muitos, era o sustento de uma biodiversidade pulsante e de comunidades resilientes. Já “beat” trazia o ritmo acelerado e contemporâneo da música urbana, um eco das batidas que ressoavam nas metrópoles do mundo, do hip-hop ao rock alternativo. Juntos, esses termos formaram uma ponte entre o passado ancestral e o futuro globalizado.  

Em 1991, Chico Science e seus companheiros redigiram e divulgaram o manifesto “Caranguejos com Cérebro”, um texto provocador e poético que serviu como o grito inaugural do movimento. Nele, Recife era retratado como um manguezal sufocado pela modernização desleixada e pela desigualdade, e como um lugar de imenso potencial, habitado por “caranguejos”, ou seja, os moradores locais que, com inteligência e criatividade, poderiam revitalizar sua própria história.   

O manifesto não era apenas um chamado à música; era uma metáfora para a regeneração cultural, um convite para que uma cidade se reconectasse às suas raízes e se projetasse para o mundo. Como se fosse uma antena parabólica enfiada na lama. 

A semente do Manguebeat foi plantada em um contexto de efervescência criativa e insatisfação. A cidade de Recife estava experimentando um momento de transformação no cenário cultural, tanto na música, quanto no cinema e nas artes visuais. O filme “Baile Perfumado”, de 1997, foi o ápice desse encontro, unindo o sertão e o cangaço à força da música emergente no momento. 

Um Grito de Resistência Contra o Silêncio da Periferia  

O Manguebeat transcendeu a ideia de ser apenas um gênero musical; tornou-se um símbolo de resistência e afirmação de uma cultura local. No início dos anos 1990, a indústria cultural brasileira era dominada pelo pop comercial e pelo rock produzido em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, ainda nos resquícios do rock brasileiro dos anos 80.  

Bandas como Legião Urbana e Titãs, ou cantores pop como Xuxa e Roupa Nova, ocupavam as rádios e TVs, enquanto o Nordeste, com toda sua riqueza cultural, não recebia os holofotes que merecia. Foi nesse cenário que Chico Science, e outras bandas da região, como a Mundo Livre S/A, emergiram como um vento de mudança, provando que a periferia também tinha voz, uma voz que podia se manifestar com força e originalidade.  

Com o Manguebeat, Chico Science deslocou o eixo de atenção do Sudeste para o Recife, transformando a lama dos manguezais em um palco de inovação. Ele e seus parceiros rejeitaram a ideia de que a música nordestina deveria se limitar ao forró tradicional ou aos clichês folclóricos para turistas. Em vez disso, realizou um som híbrido, que misturava os tambores do maracatu com guitarras elétricas, o canto ancestral do coco com samples eletrônicos, e a poesia das ruas com críticas sociais afiadas.   

Era uma música que falava do povo, para o povo, mas que também dialogava com o mundo. Ao fazer isso, Chico deu visibilidade ao Nordeste; ele mostrou que a cultura colocada à margem poderia ser tão sofisticada, relevante e poderosa quanto qualquer produção de outras regiões do país. 

O Manguebeat tornou-se, assim, um marco de identidade e um ato de rebeldia sonora que ecoaria muito além de sua época.  

A Parceria com a Nação Zumbi  

Com a banda Nação Zumbi, Chico Science encontrou o palco perfeito para suas ideias. Formada por músicos talentosos como Lúcio Maia e Jorge Du Peixe, a banda traduziu o Manguebeat em ritmos que misturavam alfaias (tambores tradicionais) com riffs de guitarra e samples eletrônicos. O resultado era cru, visceral e irresistível.  

O primeiro show da Nação Zumbi, em 1991, já mostrava que algo novo estava nascendo. A energia de Chico no palco, com sua dança frenética e presença magnética, conquistou o público. Ele não era apenas um cantor; era um líder que carregava uma missão.  

A participação da banda no Abril Pro Rock (festival de música realizado anualmente em Recife), no ano de 1993, foi um ponto crucial para a banda, onde Chico Science e os outros integrantes do grupo perceberam que teriam que levar o projeto mais a sério. Foi nesse momento que o Nação Zumbi surgiu oficialmente, com seus 8 integrantes e cada um com sua função pré-definida dentro do grupo. 

Nesse mesmo ano Chico Science e Nação Zumbi fizeram a primeira apresentação fora do estado de Pernambuco, com uma apresentação em São Paulo e outra em Belo Horizonte. Foi após o show de São Paulo, na casa de shows Aeroanta, que eles assinaram um contrato com a gravadora Sony, o que os levou aos estúdios para a gravação do primeiro álbum. 

4. Música que Faz História: Obras e Legado 

Chico Science - Da Lama ao Caos
Álbum “Da Lama ao Caos”

Da Lama ao Caos: O Primeiro Grito que Redefiniu a Música Brasileira 

Chico Science, ao lado da Nação Zumbi, lançou em 1994 o álbum “Da Lama ao Caos”, uma obra que desafia paradigmas e que reescreveu as possibilidades da música brasileira. Em um momento em que o Manguebeat começava a ganhar forma e força, esse disco de estreia foi um divisor de águas, um marco que colocou Recife no centro do mapa sonoro do país.  

Gravado no estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro, teve como produtor o experiente Liminha, que declarou que, a princípio, teve dificuldades para trabalhar com guitarras pesadas, samples e percussão, tudo junto. Foi ele o primeiro a produzir um disco, que não fosse de música regional, com a presença de Alfaias (tambores), e a Nação Zumbi fazia uso de três delas 

Com 14 faixas, o álbum era uma explosão de criatividade que desafiava as convenções do pop e do rock dominantes na época, trazendo um som visceral, inovador e profundamente enraizado na cultura nordestina. Foi o instante em que o mundo descobriu que algo revolucionário estava surgindo da lama dos manguezais.  

Entre as músicas que compõem Da Lama ao Caos, algumas se destacam rapidamente.  

“A Praieira”, com seus tambores de maracatu e letras que celebram a vida simples do litoral pernambucano, mistura a cadência tradicional com uma energia urbana que pulsa como as ondas do mar.  

Já “Rios, Pontes e Overdrives” é uma viagem poética e sonora por Recife, com referências às suas paisagens de rios e pontes entrelaçadas, enquanto as guitarras distorcidas de Lúcio Maia adicionam um toque de caos moderno à composição.  

O título Da Lama ao Caos, além de ser uma escolha criativa; foi uma declaração de seu manifesto. “Lama” remetia à marginalização do Nordeste, à vida nas periferias e aos manguezais negligenciados que Chico via como fontes de riqueza cultural. “Caos”, por outro lado, remetia às letras das músicas que representavam a modernidade desordenada, o choque de influências globais que ele abraçava sem medo. Juntas, essas palavras contavam a história de um artista que pegava o que era considerado ordinário, os filhos das ruas, as vozes dos excluídos, e o transformava em algo extraordinário, uma arte que transcendia barreiras geográficas e sociais.   

Da Lama ao Caos se tornou mais do que apenas um álbum; era um manifesto sonoro, uma prova de que a música poderia ser ao mesmo tempo raiz e revolução.  E hoje é considerado um clássico que figura nas listas de melhores álbuns do mundo já gravados. 

Uma Produção Crua e Visionária    

O som do álbum é intencionalmente cru, quase como se fosse gravado ao vivo nas ruas de Recife, mas ao mesmo tempo rico em camadas que revelam uma sofisticação surpreendente, inegavelmente temos a mão de Liminha nessa produção.  

Os tambores de alfaias, instrumentos tradicionais do maracatu, aparecem com uma força primal nas músicas, enquanto as guitarras de Lúcio Maia cortam o ar com riffs que ecoam o rock dos anos 1970 e o punk da década de 1980. Samples eletrônicos e efeitos sutis, como ecos e distorções, adicionam uma textura futurista, criando uma sensação de movimento constante, como se o ouvinte estivesse sendo levado de um manguezal silencioso para uma metrópole barulhenta.  

Essa habilidade de unir o tradicional à era contemporânea foi o que tornou Chico Science em um gênio. Ele sampleava os sons das ruas de Recife, o grito dos vendedores ambulantes, o barulho das carroças, o ritmo das festas populares, mas os projetava em um futuro imaginário. Era como se ele pegasse a essência viva de Pernambuco, com toda sua história de luta e celebrações, e a jogasse em uma máquina do tempo sonora.  

Repercussão 

“Da Lama ao Caos” levou Chico Science e Nação Zumbi à primeira turnê internacional da banda. 

A apresentação que abriu a turnê foi no Festival SummerStage, no Central Park, em Nova York, em 17 de junho de 1995. Uma curiosidade desse show é que os produtores do evento estavam em tratativas para que Gilberto Gil também participasse com seu show. Quando Gil soube que Chico Science iria se apresentar, ele, além de aceitar participar do SummerStage, pediu para tocar no mesmo dia do que a nova banda de Recife. 

Alguns críticos de música traçam um paralelo entre a Tropicália de Gilberto Gil e o Manguebeat de Chico Science, os dois movimentos conseguiram juntar os ritmos regionais brasileiros com influências vindas de fora, criando um movimento totalmente novo, exclusivamente brasileiro e que tiveram repercussões mundiais. 

Da Lama ao Caos se tornou mais do que apenas um álbum; era um manifesto sonoro, uma prova de que a música poderia ser ao mesmo tempo raiz e revolução.  E hoje é considerado um clássico que figura nas listas de melhores álbuns do mundo já gravados. 

Afrociberdelia : O Auge da Experimentação e da Visão Futurista  

Chico Science e Nação Zumbi lançaram em 1996 o segundo álbum da banda, o “Afrociberdelia , uma obra que elevou o Manguebeat a um patamar ainda mais ousado e inovador.  

Após o sucesso estrondoso de Da Lama ao Caos, esse segundo disco chegou como uma evolução natural, mas também como um salto criativo que surpreendeu até os fãs mais fervorosos.  

Gravado em um momento de consolidação do movimento Manguebeat, Afrociberdelia expandiu os horizontes sonoros e conceituais que Chico vinha explorando, consolidando sua confiança como um dos artistas mais visionários de sua geração. Com 15 faixas, o álbum é uma viagem sensorial que mistura passado, presente e futuro em uma mistura musical única, desafiando qualquer tentativa de encaixá-lo em categorias tradicionais.  

Entre os destaques de Afrociberdelia , faixas como “Manguetown” e “Macô” brilham como exemplos perfeitos da genialidade de Chico Science. “Manguetown”, um hino a uma Recife reimaginada como uma “cidade do mangue”, combina guitarras pesadas e batidas eletrônicas com letras que pintam um retrato vibrante e caótico da vida urbana nordestina. A música é quase cinematográfica, evocando imagens de caranguejos rastejando pela lama enquanto o som de alfaias ressoa ao fundo, misturado a riffs que poderiam ter saído de um disco de Jimi Hendrix.  

Já “Macô” mergulha ainda mais fundo nas raízes africanas, com seus ritmos hipnóticos e vocais que parecem invocar espíritos ancestrais, enquanto camadas de efeitos eletrônicos criam uma atmosfera futurista.  

Outro ponto alto é “Maracatu Atômico”, que já tinha tido uma versão gravada por Gilberto Gil, é uma releitura ousada da canção de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, que Chico transformou em um hino do movimento. Maracatu Atômico entrou no álbum devido à imposição da Sony Music, que queria um cover no álbum. A música foi gravada, mas sob total discordância de Chico Science.  

A faixas desse segundo álbum mostram Chico explorando uma fusão ainda mais radical de influências: os tambores afro-brasileiros, o rock alternativo dos anos 1990 e os sons sintéticos que começaram a dominar a música global.  

Afrociberdelia  era uma obra multifacetada, fazendo uso da identidade negra e nordestina, ao mesmo tempo em que lançava um olhar curioso e ambicioso para o mundo globalizado, cantando novamente sobre temas que são improváveis na mesma frase: caranguejos, símbolos do manguezal e da sobrevivência do povo local; tecnologia, com referências a um futuro cibernético que ele via se aproximando; e ancestralidade, com homenagens às tradições africanas que correm nas veias do Brasil.   

O resultado foi um som que soava como uma festa nas ruas de Recife, mas com os olhos voltados para o cosmos.  

A Consolidação de um Visionário Afrocibernético  

Afrociberdelia marcou o auge da experimentação de Chico Science e solidificou sua posição como um artista à frente de seu tempo.   

O impacto da Afrociberdelia foi imediato e duradouro, influenciando gerações de músicos dentro e fora do Brasil. No cenário nacional, artistas como Lenine, Otto e até bandas contemporâneas como BaianaSystem beberam da fonte do Manguebeat, inspirados pela coragem de Chico e suas misturas entre o tradicional com o experimental.   

Internacionalmente, sua fusão de ritmos locais com elementos globais chamou a atenção de críticos e produtores, que viam nele um eco de figuras como Fela Kuti ou David Byrne, mas com uma identidade inconfundivelmente brasileira.  

A visão afrocibernética de Chico Science antecipou tendências da música eletrônica e do world music que ganhariam força nos anos 2000; ela também deixou um legado de ousadia criativa, mostrando que a periferia poderia ser o centro de uma revolução artística.   

5. O Gênio Além do Palco: Impacto Cultural e Social  

Chico Science, Mangue e Música: Uma Tríade Transformadora  

Chico Science era um compositor talentoso; ele era um agente de transformação, um artista cuja missão ia muito além de criar melodias cativantes. Para ele, a música era um instrumento de mudança, uma forma de desafiar o status quo e reescrever narrativas.   

O Manguebeat, movimento que ele ajudou a fundar e liderar, transcendia a definição de um simples gênero musical, era uma filosofia viva, um manifesto cultural que buscava resgatar e valorizar a essência do Nordeste em um mundo cada vez mais dominado por uma homogeneidade imposta pela globalização. Em uma era em que as grandes gravadoras e a mídia privilegiavam obras e artistas pasteurizados e tendências importadas, Chico olhou para as raízes de sua terra e viu nelas uma força capaz de dialogar com o planeta inteiro.  

O Manguebeat, sob a liderança de Chico Science, tornou-se um megafone para os excluídos, aqueles que viviam à margem da sociedade, muitas vezes literalmente na lama dos manguezais de Recife. Ele cantava para os pescadores, os trabalhadores informais, as comunidades que habitavam as palafitas ao longo dos rios, pessoas cuja existência era frequentemente ignorada pelo Brasil “oficial”.  Suas letras e ritmos davam voz a essas histórias, transformando a música em uma ferramenta poderosa de luta e afirmação.  

Um Símbolo de Resistência e Identidade Universal  

A genialidade de Chico Science estava em sua capacidade de tecer uma ponte entre o passado e o presente, entre o mangue e a música moderna, criando algo que era ao mesmo tempo profundamente local e universalmente relevante.   

Em suas mãos, esses elementos não se chocavam; eles se fundiam em uma harmonia caótica e bela, como se o passado e o futuro se unissem ao som dos tambores e das guitarras. Essa habilidade fez dele um símbolo de resistência cultural, um artista que desafiava a ideia de que o valor estava apenas nos grandes centros urbanos do Sudeste ou nas tendências internacionais.  

Chico Science provou, com o Manguebeat, que o Nordeste, mesmo fora de megacentros como São Paulo, Rio de Janeiro ou Nova York, tinha total potencial para brilhar no cenário cultural mundial. Ele rejeitava a pressão de se encaixar nos moldes da identidade pop comercial ou de diluir sua música e ideologia para agradar ao mercado.   

Suas apresentações ao vivo, com sua energia frenética e figurinos que misturavam elementos tradicionais e contemporâneos, foram uma celebração dessas mudanças. Ele mostrou que o Nordeste poderia ser protagonista, não coadjuvante, e que sua cultura, longe de ser um relicário do passado, era uma força viva, capaz de se reinventar e conquistar lugares tão diferentes como Recife, São Paulo, Nova York ou Tóquio.   

Chico Science & Nação Zumbi
Chico Science & Nação Zumbi

6. O Fim Precoce e a Eternidade de Sua História 

O acidente que silenciou um Gênio  

Em 2 de fevereiro de 1997, a vida de Chico Science foi interrompida tragicamente. Aos 30 anos, ele sofreu um acidente de carro na estrada entre Recife e Olinda, quando seu Fiat Uno colidiu com um poste após outro veículo ter fechado sua passagem. 

 A notícia chocou o Brasil e o mundo da música. Um artista no auge de sua criatividade, com tanto ainda por oferecer, se foi cedo demais.  

O velório, em Recife, reuniu milhares de fãs, amigos e artistas. Era o fim de uma era, mas o começo de um mito.  

O Legado que Vive na Nação Zumbi e Além  

Após sua morte, a Nação Zumbi continuou seu trabalho, com Jorge Du Peixe assumindo os vocais. Álbuns como CSNZ e Fome de Tudo mantiveram o espírito do Manguebeat vivo. Mas o impacto de Chico vai além da banda. Artistas como BaianaSystem, Siba e até nomes internacionais citam sua influência.  

A banda Sepultura, uma das bandas brasileiras mais conhecidas mundialmente e com uma história de 40 anos, em seu 13º álum, “The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart”, incluiu uma regravação da música “Da Lama ao Caos”. 

Chico Science se tornou um ícone, um exemplo de como a arte pode transcender barreiras e inspirar mudanças.  

7. Discografia e Formação 

Da Lama Ao Caos (1994) 

Formação: 

  • Chico Science – voz; samplers em “Lixo do Mangue” 
  • Lúcio Maia – guitarra 
  • Alexandre Dengue – baixo 
  • Toca Ogan – percussão e efeitos 
  • Canhoto – caixa 
  • Gira – alfaia 
  • Gilmar Bola 8 – alfaia 
  • Jorge du Peixe – alfaia; voz em “Maracatu de Tiro Certeiro” 

Faixas: 

  • “Monólogo ao Pé do Ouvido” 
  • “Banditismo por Uma Questão de Classe”  
  • “Rios, Pontes & Overdrives”  
  • “A Praieira” 
  • “Samba Makossa” 
  • “Da Lama ao Caos” 
  • “Maracatu de tiro certeiro” 
  • “Salustiniano Song” (Instrumental) 
  • “Antene-se” 
  • “Risoflora” 
  • “Lixo do Mangue” (Instrumental) 
  • “Computadores fazem arte” 

Afrociberdelia (1996) 

Formação: 

  • Chico Science – voz 
  • Dengue – baixo, baixo fretless em “Um Passeio no Mundo Livre” e “Samidarish” 
  • Gilmar Bolla 8 – alfaia 
  • Gira – alfaia 
  • Jorge du Peixe – alfaia 
  • Lúcio Maia – guitarra, viola em “Criança de Domingo” 
  • Pupilo – bateria 
  • Toca Ogam – percussão e voz 

Faixas: 

  • “Mateus enter” 
  • “O cidadão do mundo” 
  • “Etnia” 
  • “Quilombo Groove” (Instrumental) 
  • “Macô” 
  • “Um passeio no mundo livre” 
  • “Samba do Lado” 
  • “Maracatu Atômico” 
  • “O encontro de Isaac Asimov e Santos Dumond no céu” 
  • “Corpo de Lama” 
  • “Sobremesa” 
  • “Manguetown” 
  • “Um Satélite na Cabeça (Bitnik Generation)” 
  • “Baião Ambiental” (instrumental) 
  • “Sangue de Bairro” 
  • “Enquanto o Mundo Explode” 
  • “Interlude Zumbi” 
  • “Criança de Domingo” 
  • “Amor de Muito” 
  • “Samidarish” (instrumental) 
  • “Maracatu Atômico” (Atomic Version) 
  • “Maracatu Atômico” (Ragga Mix) 
  • “Maracatu Atômico” (Trip Hop) 

Por Que Chico Science Ainda Inspira  

Chico Science foi um gênio porque viu o que outros ignoravam: a força da lama, a beleza da mistura, o poder da música como resistência. Em poucos anos, ele criou um movimento que redefiniu a música brasileira e deu ao Nordeste uma voz que o mundo ouviu. Sua história é um lembrete de que a criatividade pode nascer em qualquer lugar, desde que haja coragem para sonhar.  

Quer saber mais de perto desse legado? Coloque Da Lama ao Caos para tocar, sinta os tambores e as guitarras, e deixe-se levar pela energia de um artista que transformou o mangue em história. Chico Science não morreu; ele vive em cada nota que ainda ressoa.  

Qual é a sua música favorita de Chico Science? Deixe um comentário abaixo ou compartilhe este artigo com alguém que precisa conhecer esse gênio do Manguebeat! 

**Artigo escrito com colaboração de Rogério Rocker, que me apresentou o Chico Science & Nação Zumbi e me fez ter um intensivo sobre a história e a obra dele*** 

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