A música noise, também conhecida como “arte do ruído”, é um gênero musical que desafia as convenções tradicionais ao utilizar sons como ruídos, distorções, estáticas e feedbacks para criar experiências sonoras únicas.
Com uma proposta experimental, não convencional, que muitas vezes gera desconforto e irritação aos ouvintes
Com raízes no futurismo italiano e influências de movimentos como o dadaísmo e o Fluxus, a música noise tem evoluído ao longo do século XX e XXI, abrindo espaço para subgêneros como noise rock, industrial, Japanoise e muitos outros. Ao longo deste texto, discutiremos sua história, filosofia, objetivos e subgêneros, além de apresentar exemplos de bandas que moldaram e continuarão a moldar este fascinante universo sonoro.
História da Música Noise – A Arte do Ruído
As Origens no Futurismo Italiano
A música noise tem origem no início do século XX, com o movimento futurista italiano.
Em 1913, Luigi Russolo publicou o manifesto “A Arte dos Ruídos”, defendendo que os ruídos industriais e cotidianos, como sirenes, máquinas e ruídos urbanos, deveriam ser considerados música. Russolo acreditava que a música tradicional havia se tornado obsoleta e criou os “Intonarumori”, instrumentos que produziam ruídos, marcando o início de uma nova abordagem da música.
Os concertos, realizados em cidades como Milão, provocaram reações intensas, desde o fascínio até a repulsa, estabelecendo o ruído como uma forma de arte disruptiva.
Influências do Dadaísmo e da Música Concreta
Na década de 1910, o movimento Dada contribuiu para a estética do ruído com performances como a “Antissinfonia” de 1919, em Berlim, que incluía buzinas, assobios e outros ruídos urbanos, desafiando as noções tradicionais de harmonia.
Na década de 1920, o compositor francês Edgard Varèse incorporou ruídos em suas composições, como Amériques e Ionisation , questionando: “O que é a música senão ruídos organizados?” Ele concebeu a música em termos de “massas sonoras”, influenciando gerações futuras.
Em 1948, Pierre Schaeffer modificou a música concreta com seus Cinq études de bruits (Cinco Estudos de Ruídos), utilizando gravações de ruídos reais, como trens e objetos, manipulados para criar composições. Essa abordagem abriu novas possibilidades para o uso de ruídos na música.
A Década de 1960 e o Movimento Fluxus
Na década de 1960, o movimento Fluxus trouxe uma nova onda de experimentação sonora.
Artistas como Joe Jones, Yasunao Tone, Nam June Paik e Yoko Ono exploraram sons não convencionais em performances que misturavam música, arte visual e teatro.
Nesse período, bandas como a Nihilist Spasm Band, formada em 1965 em Ontário, Canadá, usavam instrumentos caseiros para criar ruídos caóticos, enquanto o Theatre of Eternal Music, produzido por La Monte Young, experimentava com ruídos e sons prolongados.
A Emergência do Industrial e do Noise Rock
Na década de 1970, a música noise começou a se consolidar com o surgimento da música industrial.
Bandas como Throbbing Gristle e Cabaret Voltaire incorporaram sons de máquinas, gravações de campo e eletrônicos, criando atmosferas sombrias e opressivas.
The Velvet Underground, com faixas como “White Light/White Heat” (1968), e The Mothers of Invention, com Freak Out! (1966), também influenciaram o gênero ao misturar experimentação com rock.
Nos anos 1980, o noise rock ganhou destaque nos EUA com bandas como Sonic Youth, Swans e Big Black.
Sonic Youth, com álbuns como Daydream Nation (1988), combinava guitarras distorcidas com estruturas de rock alternativo, enquanto Swans explorava intensidade emocional em Filth (1983). The Jesus Lizard e Shellac também desenvolveram sons abrasivos e ritmos pesados.
O Auge do Japanoise
No Japão, a década de 1980 marcou o surgimento do Japanoise , uma cena vibrante composta por artistas como Merzbow (Masami Akita), Hijokaidan e Boredoms .
Merzbow, inspirado pelo dadaísta Kurt Schwitters, criou álbuns como Pulse Demon (1996), com camadas densas de ruído. Outros artistas, como Incapacitants , KK Null e Masonna , levaram o ruído aos extremos, rejeitando formas tradicionais e focando em intensidade sensorial.
O Noise no Século XXI
No século XXI, o noise continua a evoluir, com subgêneros como harsh noise wall ganhando popularidade.
Artistas como Tim Hecker , Kevin Drumm e Oneohtrix Point Never exploram a interseção entre noise e música eletrônica experimental.
No Brasil, festivais como Novas Frequências promovem o gênero, conectando artistas locais e internacionais.
Outras bandas e artistas históricos incluem:
- Einstürzende Neubauten: Banda alemã fundada em 1980, usavam objetos industriais como instrumentos, com álbuns como Haus der Lüge (1988).
- Nurse with Wound: Criada pelo músico britânico Steven Stapleton, em 1978. Conhecidos por colagens sonoras experimentais.
- Whitehouse: Banda inglesa de 1980, considerados pioneiros da Power Eletronic, com sons agressivos e letras provocativas.
- Lou Reed: Músico e compositor americano, fundador da banda The Velvet Underground juntamente com Andy Warhol, seu álbum Metal Machine Music (1975) é um marco do noise.

Filosofia da Música Noise
Questionando o Conceito de Música
A filosofia da música noise está centrada em desafiar o que é considerado “música”.
Ao priorizar texturas, dissonâncias e ruídos atonais, o ruído questiona noções tradicionais de beleza sonora, propondo que o caos e a imperfeição podem também ser considerados artísticos.
Essa abordagem está ligada a movimentos como o dadaísmo, que celebrava a ruptura com as convenções, e o futurismo, que via na tecnologia uma nova forma de expressão.
Perspectivas Filosóficas
Paul Hegarty, em Noise/Music: A History, discute o ruído como “intrusivo, indesejado” e “ameaçando o vazio”. Ele destaca a obra de John Cage, 4’33”, que consiste em silêncio e sons ambientais, como um marco na música noise, pois força o ouvinte a reconsiderar a distinção entre som prejudicial e ruído indesejado.
Jacques Attali, em Noise: The Political Economy of Music, argumenta que o ruído é pré-figurativo de transformações sociais, representando o subconsciente da sociedade. Ele sugere que o ruído é uma forma de resistência contra a ordem estabelecida, capaz de prever mudanças culturais e políticas.
Outros pensadores, como Theodor Adorno e Georges Bataille, também exploraram o ruído em relação à música e à sociedade. Adorno via o ruído como uma crítica à comercialização da música, enquanto Bataille associava-o ao conceito de “informar”, uma exclusão de estruturas normalizadas.
Objetivos da Música Noise
Expressão Emocional
Um dos principais objetivos da música noise é a expressão de emoções intensas.
Artistas como Prurient usam o noise para explorar temas introspectivos, como vulnerabilidade e angústia, criando uma conexão emocional com o ouvinte. Por exemplo, o álbum Frozen Niagara Falls (2015) combina ruídos abrasivos com momentos de introspecção, evocando estados emocionais complexos.
Crítica Social
O ruído muitas vezes serve como uma forma de crítica social, abordando temas como violência, alienação e opressão.
Bandas como Whitehouse e Genocide Organ , do subgênero Power Electronics, usam letras provocativas e sons agressivos para confrontar questões sociais.
Birthdeath Experience (1980), de Whitehouse, é um exemplo de como o ruído pode ser usado para chocar e provocar reflexão.
Inovação Sonora
A música noise busca expandir os limites do som, experimentando com novas técnicas e tecnologias.
Artistas como Merzbow e Kevin Drumm utilizam sintetizadores modulares, softwares como Max/MSP e gravações de campo para criar paisagens sonoras inovadoras. Sheer Hellish Miasma (2001), de Drumm, é um exemplo de experimentação com sintetizadores e texturas eletrônicas.
Desafio às Normas Musicais
O ruído desafia as normas musicais tradicionais, questionando o que é considerado música.
Obras como 4’33” de John Cage e Metal Machine Music de Lou Reed forçaram os ouvintes a compensar suas expectativas sobre o que constitui uma composição musical. Esse desafio é central para a filosofia do ruído, que valoriza a liberdade criativa acima de tudo.
Exploração Sensorial
O ruído também é usado para criar experiências sensoriais intensas, muitas vezes físicas.
Bandas como Sunn O))) utilizam volumes extremamente altos e drones para imergir os ouvintes em uma experiência quase tátil. O álbum Monoliths & Dimensions (2009) combina sintetizadores com elementos orquestrais, criando uma sensação de transcendência.

Subgêneros da Música Noise
A música noise abrange uma ampla gama de subgêneros, cada um com características e objetivos distintos. Abaixo, apresentamos os principais subgêneros referenciais, com exemplos de bandas e artistas que os representam.
Noise Rock
O noise rock combina elementos de noise com estruturas de rock, frequentemente utilizando guitarras distorcidas e ritmos pesados. É um dos subgêneros mais acessíveis do noise, influenciado pelo punk e pelo rock alternativo.
- Sonic Youth: Daydream Nation (1988) é um marco do noise rock, com guitarras dissonantes e letras poéticas.
- Swans : Filth (1983) explora intensidade emocional com filhos abrasivos.
- Big Black: Atomizer (1986) combina ritmos mecânicos com distorções.
- The Jesus Lizard: Goat (1991) é conhecido por sua energia crua.
- Shellac: At Action Park (1994) apresenta isolamento rítmico e texturas sonoras.
Industrial
A música industrial usa sons industriais e eletrônicos para criar atmosferas sombrias e opressivas, frequentemente com temas de alienação e crítica social.
- Throbbing Gristle: 20 Jazz Funk Greats (1979) mistura eletrônica com ruídos industriais.
- Cabaret Voltaire: Red Mecca (1981) explora texturas eletrônicas.
- Nine Inch Nails: The Downward Spiral (1994) popularizou o industrial.
- Ministry: Psalm 69 (1992) combina industrial com metal.
- Rammstein: Herzeleid (1995) incorpora elementos industriais com provocação.
Power Eletronic
O Power Eletronic é um subgênero extremo que foca em temas controversos, com sons agressivos e vocais distorcidos.
- Whitehouse : Birthdeath Experience (1980) é um marco do gênero.
- Ramleh: Hole in the Heart (1987) mistura ruído com psicodelia.
- Sutcliffe Jügend: We Spit on Their Graves (1982) é conhecido por sua intensidade.
- NON (Boyd Rice): Easy Listening for Iron Youth (1991) explora ruídos provocativos.
Japanoise
O Japanoise é caracterizado por seu minimalismo e uso de formas tradicionais, com foco em intensidade sensorial.
- Merzbow : Pulse Demon (1996) é um clássico do Hard Noise Wall.
- Hijokaidan: Zouroku no Kibyou (1982) combina improvisação com ruídos extremos.
- Incapacitants : Feedback de NMS (1991) explora feedback intenso.
- KK Null : Atomik Disorder (1997) mistura ruído com eletrônica.
- Masonna : Frequency LSD (1998) é conhecido por performances viscerais.
Hard Noise Wall
O Hard Noise Wall consiste em paredes de ruído contínuo e intenso, sem variação ou melodia, criando uma experiência imersiva.
- Incapacitants : As Loud as Possible (1995) é um exemplo extremo.
- Vomir Suprême : Rien (2008) foca em ruído estático.
- Lasse Marhaug : The Shape of Rock to Come (2004) explora texturas densas.
- The Rita: Thousands of Dead Gods (2006) combina ruído com temas conceituais.
- Government Alpha: Venomous Cumulus Cloud (2000) é intensamente abrasivo.
Drone Synths
O Drone Synths usa sintetizadores para criar sons atmosféricos e hipnóticos, frequentemente com um tom meditativo.
- Tim Hecker : Ravedeath, 1972 (2011) combina ruído com ambiente.
- Kevin Drumm : Sheer Hellish Miasma (2001) explora drones eletrônicos.
- Stars of the Lid : And Their Refinement of the Decline (2007) cria paisagens sonoras.
- Ben Frost : By the Throat (2009) mistura drones com intensidade emocional.
Noise Pop
O Noise Pop mistura elementos de noise com melodias pop, criando sons acessíveis com distorções.
- Jesus and Mary Chain: Psychocandy (1985) é um marco do gênero.
- My Bloody Valentine: Isn’t Anything (1988) combina ruído com pop.
- Yo La Tengo : Painful (1993) explora texturas noise em canções pop.
- A Place to Bury Strangers: Exploding Head (2009) mistura ruído com psicodelia.
- No Age: Nouns (2008) combina noise com energia punk.
Shoegaze
O shoegaze usa camadas de feedback e variações para criar atmosferas etéreas e introspectivas.
- My Bloody Valentine: Loveless (1991) é um clássico do gênero.
- Slowdive : Souvlaki (1993) explora texturas sonoras delicadas.
- Ride: Nowhere (1990) combina noise com melodias pop.
- Cocteau Twins : Treasure (1984) mistura shoegaze com dream pop.
- Lush: Spooky (1992) explora camadas de feedback etéreo.
Subgênero | Características | Exemplos de Bandas/Artistas | Obras Exemplares |
---|---|---|---|
Noise Rock | Combina noise com rock, com guitarras distorcidas e ritmos pesados. | Sonic Youth, Swans, Big Black, The Jesus Lizard, Shellac | Nação Daydream (Sonic Youth, 1988), Filth (Swans, 1983) |
Industrial | Usamos sons industriais e eletrônicos, criando atmosferas sombrias. | Throbbing Gristle, Cabaret Voltaire, Nine Inch Nails, Ministry, Rammstein | 20 Jazz Funk Greats (Throbbing Gristle, 1979), The Downward Spiral (Nine Inch Nails, 1994) |
Power Eletronic | Extremamente agressivo, com temas controversos e vocais distorcidos. | Whitehouse, Genocide Organ, Ramleh, Sutcliffe Jügend, NON (Boyd Rice) | Birthdeath Experience (Whitehouse, 1980), Leichenlinie (Genocide Organ, 1989) |
Japanoise | Minimalista, com foco em intensidade sensorial e eliminado de formas tradicionais. | Merzbow, Hijokaidan, Incapacitantes, KK Null, Masonna | Pulse Demon (Merzbow, 1996), Feedback de NMS (Incapacitantes, 1991) |
Hard Noise Wall | Paredes de ruído contínuo e intenso, sem variação, criando harmonia. | Incapacitants, Vomir Suprême, Lasse Marhaug, The Rita | Tão alto quanto possível (As Loud is Possible, 1995), Rien (Vomir Suprême, 2008) |
Drone Syths | Drones atmosféricos e hipnóticos, frequentemente meditativos, usando sintetizadores. | Tim Hecker, Kevin Drumm, Estrelas da Tampa, Ben Frost, Esmeraldas | Ravedeath, 1972 (Tim Hecker, 2011), Sheer Hellish Miasma (Kevin Drumm, 2001) |
Pop Noise | Mistura ruído com melodias pop, criando sons acessíveis com distorções. | Jesus and Mary Chain, My Bloody Valentine, Yo La Tengo, Um Lugar para Enterrar Estranhos, Sem Idade | Psychocandy (Jesus and Mary Chain, 1985), Não é nada (My Bloody Valentine, 1988) |
Shoegaze | Ruído atmosférico com camadas de feedback e vocais etéreos, introspectivos. | My Bloody Valentine, Slowdive, Ride, Cocteau Twins, Lush | Loveless (My Bloody Valentine, 1991), Souvlaki (Slowdive, 1993) |
Estudos de Caso
Merzbow – Pulse Demon
O álbum Pulse Demon (1996) de Merzbow é um marco do hard noise wall, com camadas densas de ruído que desafiam a percepção auditiva. Ele reflete o objetivo de inovação sonora, usando sintetizadores e gravações manipuladas para criar uma experiência sensorial intensa.
My Bloody Valentine – Loveless
Loveless (1991), de My Bloody Valentine, é um exemplo de shoegaze que combina ruído com beleza etérea. O álbum explora estados emocionais através de camadas de feedback e vocais suaves, demonstrando como o ruído pode ser usado para criar atmosferas introspectivas.
Whitehouse – Birthdeath
Birthdeath Experience (1980), de Whitehouse, é um exemplo de eletrônica de potência que usa ruídos agressivos e letras provocativas para criticar a sociedade. O álbum reflete o objetivo de crítica social, desafiando normas culturais e éticas.
Conclusão
A música noise é mais do que um gênero musical; é uma exploração filosófica e artística que desafia normas e expande os limites do som.
Desde suas raízes no futurismo italiano até as cenas contemporâneas, o ruído tem servido como um veículo para expressão emocional, crítica social e inovação sonora.
Com subgêneros como noise rock, industrial, Japanoise e shoegaze, o gênero oferece uma ampla gama de experiências sonoras, representadas por bandas como Sonic Youth, Merzbow, Throbbing Gristle e My Bloody Valentine.
A música noise nos convida a ouvir de maneira diferente, a questionar nossas percepções e a abraçar o caos como uma forma de beleza.
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Conteúdo super legal e interessante, amei!
Que bom que gostou! ❤️
Não curto muito esse tipo de música, mas tem gosto pra tudo
Sim. Tem gosto para qualquer estilo, mas acho válido para conhecer.
Muitooo interessante!
Adorei o artigo
Esse som é um verdadeiro rolê fora do comum, né? Amo como ele quebra tudo e faz a gente repensar o que é música de verdade.
Sair um pouco da caixinha é importante. Existem muitas coisas diferentes para serem descobertas!