O rock brasileiro anos 70 é frequentemente ofuscado por outros movimentos musicais e décadas marcantes da música nacional.
Enquanto a Jovem Guarda dos anos 60 e o BRock dos anos 80 conquistaram lugar cativo na memória cultural, os anos 70 permanecem como uma década esquecida, apesar de sua riqueza sonora e experimental. Bandas como Secos & Molhados, Os Mutantes e O Terço, entre outras, criaram um som único, misturando psicodelia, rock progressivo e influências brasileiras, mas não receberam o devido reconhecimento.
A ditadura militar, a falta de apoio comercial e a preferência por outros gêneros contribuíram para esse esquecimento. Este artigo resgata o contexto, os sons e os motivos que tornaram o rock brasileiro anos 70 uma joia escondida.
Contexto Histórico: Ditadura, Contracultura e Resistência
Os anos 70 no Brasil foram definidos pela ditadura militar (1964-1985), um período de repressão, censura e controle cultural. Após o Ato Institucional nº 5 (AI-5) de 1968, a vigilância sobre artistas aumentou, impactando diretamente a produção musical. A MPB e o Tropicalismo, com nomes como Caetano Veloso e Gilberto Gil, dominavam o cenário, misturando samba, bossa nova e elementos psicodélicos. O Tropicalismo abriu espaço para experimentações, mas a repressão levou ao exílio de artistas como Caetano e Gil, que gravaram em Londres entre 1969 e 1972.
O rock brasileiro anos 70, influenciado por bandas internacionais como Pink Floyd e Led Zeppelin, lutava para se firmar. A falta de gravadoras especializadas e rádios dispostas a tocar rock nacional dificultava sua popularidade. Festivais como o de Águas Claras (1975) e a Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém (1972), eram raros espaços de expressão para o gênero. Esses eventos reuniam jovens em busca de contracultura, mas a mídia mainstream dava pouco destaque, priorizando gêneros como MPB. Ainda assim, o rock se tornou uma forma de resistência para a juventude, mesmo que restrita ao underground.
Panorama do Rock Brasileiro nos Anos 70
O rock brasileiro anos 70 se destacou pela diversidade, abrangendo psicodelia, rock progressivo, hard rock e fusões com ritmos brasileiros como samba e baião. Diferentemente do BRock dos anos 80, que conquistou as rádios com Legião Urbana e Titãs, essa década era mais experimental e menos comercial. Bandas como Os Mutantes, oriundo do Tropicalismo, continuaram a inovar, enquanto grupos como Secos & Molhados e Casa das Máquinas trouxeram novas abordagens.
A psicodelia, inspirada pelo movimento hippie e por bandas como Jefferson Airplane, marcava o som de Secos & Molhados e Os Mutantes, com letras poéticas e apresentações teatrais. O rock progressivo, influenciado por Pink Floyd e Yes, aparecia em bandas como O Terço e Som Nosso de Cada Dia, com composições longas e arranjos sofisticados. O hard rock, com riffs pesados à la Deep Purple, era representado por Made in Brazil e Patrulha do Espaço. Raul Seixas, por sua vez, misturava rock com elementos nordestinos, criando um estilo único.
A cena underground era forte em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Clubes e festivais alternativos eram os principais palcos, já que gravadoras e rádios raramente investiam no rock. O Clube da Esquina, com Milton Nascimento e Lô Borges, flertava com o rock, inspirado pelos Beatles. No Nordeste, artistas como Zé Ramalho e Belchior uniam rock a ritmos regionais, criando a “Invasão Nordestina”.
Os principais momentos do rock brasileiro anos 70 estão resumidos nesta linha do tempo, destacando lançamentos e eventos que marcaram uma década esquecida.
Ano | Evento |
---|---|
1970 | Os Mutantes lançam A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, com o hit “Ando Meio Desligado”, marcando o auge da psicodelia no rock brasileiro anos 70. |
1971 | Secos & Molhados é formado, trazendo um visual andrógino e sons inovadores que revolucionariam o gênero. |
1972 | Feira Experimental de Música de Nova Jerusalém, o “Woodstock brasileiro”, reúne bandas underground como O Terço e Som Nosso de Cada Dia. |
1973 | Secos & Molhados lança seu álbum de estreia com “O Vira” e “Sangue Latino”, superando Roberto Carlos em vendas. Raul Seixas estreia solo com Krig-Ha, Bandolo!. |
1973 | Rita Lee deixa Os Mutantes, iniciando carreira solo que influenciaria o BRock dos anos 80. |
1974 | Som Nosso de Cada Dia lança Snegs, um clássico do rock progressivo brasileiro. |
1975 | Festival de Águas Claras, em Iacanga (SP), reúne milhares de jovens e bandas como O Terço, consolidando o rock como contracultura. |
1976 | Casa das Máquinas lança Casa de Rock. Made in Brazil lança Jack, o Estripador. |
1978 | Patrulha do Espaço lança Elo Perdido, fortalecendo o hard rock no cenário underground. |

Bandas e Músicas Mais Representativas
Algumas bandas e músicas do rock brasileiro anos 70 deixaram marcas profundas, ainda que muitas sejam pouco lembradas hoje.
Abaixo, as mais emblemáticas:
- Secos & Molhados: Formada em 1971 por João Ricardo, Ney Matogrosso e Gérson Conrad, a banda revolucionou o rock brasileiro anos 70 com seu álbum de estreia em 1973. Faixas como “O Vira”, que misturava folclore português com psicodelia, e “Sangue Latino”, uma ode poética à identidade latina, conquistaram o público. O visual andrógino de Ney Matogrosso, com maquiagem e figurinos extravagantes, desafiava normas e chocava a sociedade conservadora. O álbum vendeu mais de 300 mil cópias, superando até Roberto Carlos, mas a banda se dissolveu em 1974 devido a conflitos internos. Seu impacto visual e sonoro influenciou o glam rock e a performance artística no Brasil.
- Os Mutantes: Após o auge no Tropicalismo, a banda, liderada por Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, continuou a inovar nos anos 70. Álbuns como A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (1970) e Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets (1972) trouxeram faixas como “Ando Meio Desligado”, com sua psicodelia melódica, e “Balada do Louco”, uma mistura de rock e poesia. A banda experimentava com instrumentos inusitados, como theremins, e letras irreverentes, mas tensões internas levaram à saída de Rita Lee em 1972. Os Mutantes são hoje reconhecidos internacionalmente, influenciando artistas como Kurt Cobain.
- O Terço: Pioneira do rock progressivo brasileiro, O Terço lançou álbuns como Criaturas da Noite (1975), com faixas como “Hey Amigo”, que combinava melodias suaves com arranjos complexos, e “1974”, uma peça instrumental grandiosa. Flávio Venturini, futuro integrante do 14 Bis, trouxe sofisticação aos arranjos. A banda se apresentava em festivais como Águas Claras, onde sua fusão de rock e MPB conquistava o público underground. Apesar de sua qualidade técnica, O Terço nunca alcançou grande sucesso comercial, em parte pela natureza nichada do rock progressivo.
- Raul Seixas: Iniciando sua carreira solo em 1973, Raul Seixas se tornou o “bardo dos hippies” com Krig-Ha, Bandolo!. Músicas como “Ouro de Tolo”, uma crítica ácida ao consumismo, e “Metamorfose Ambulante”, com sua filosofia de liberdade, marcaram a década. Raul misturava rock com baião e forró, criando um som acessível, mas profundo. Sua parceria com Paulo Coelho trouxe um toque esotérico às letras, como em “Mosca na Sopa”. Raul foi um dos poucos a alcançar sucesso comercial, mas enfrentou censura por suas letras provocadoras.
- Casa das Máquinas: Representante do hard rock, a banda lançou Casa de Rock (1976), com faixas como “Vou Morar no Ar” e “Casa de Rock”, marcadas por riffs pesados e energia crua. Formada em São Paulo, a banda tinha um som direto, inspirado por Deep Purple, mas com letras que refletiam a vida urbana brasileira. Apesar de shows energéticos, a falta de apoio de gravadoras limitou seu alcance, e o grupo se dissolveu após poucos álbuns.
- Som Nosso de Cada Dia: Com influências de rock progressivo e funk, o trio lançou Snegs (1974), com a faixa “Sinal de Paranóia” destacando-se por sua complexidade e solos de guitarra. Liderada por Manito, ex-Incríveis, a banda se apresentava em festivais underground, mas sua sofisticação limitava o apelo popular. O álbum é hoje um clássico cult entre fãs de rock progressivo.
- Made in Brazil: Formada em 1967, a banda continuou nos anos 70 com um som hard rock. Jack, o Estripador (1976) trouxe faixas como “Anjo da Guarda” e “Paulicéia Desvairada”, com energia crua e letras urbanas. A banda era conhecida por shows intensos em clubes de São Paulo, mas a falta de divulgação nacional limitou seu impacto. Made in Brazil segue ativa, sendo uma das poucas da época ainda em atividade.
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Por Que Essas Bandas Estão Esquecidas?
O rock brasileiro anos 70 foi ofuscado por diversos fatores.
A ditadura militar censurava letras e apresentações, especialmente de bandas com visual ou temas contestadores, como Secos & Molhados. A indústria musical priorizava gêneros comerciais como MPB e samba, deixando o rock sem apoio de gravadoras ou rádios. Muitas bandas, como Casa das Máquinas, lançaram poucos álbuns antes de se dissolverem, devido à falta de estrutura. O público também preferia bandas internacionais como Rolling Stones, reduzindo o espaço para o rock nacional.
A ausência de registros oficiais, e a ascensão do BRock nos anos 80, com bandas mais acessíveis como Titãs, mudaram o foco da mídia e do público. O caráter experimental do rock dos anos 70, menos radiofônico, também dificultou sua popularidade à época.

O Legado do Rock Brasileiro dos Anos 70
O rock brasileiro anos 70 pavimentou o caminho para o BRock dos anos 80.
A ousadia de Os Mutantes influenciou até bandas internacionais, como o Nirvana, e Secos & Molhados inspirou gerações com sua estética. Relançamentos de álbuns como Não Fale com Paredes do Módulo 1000 e coletâneas como Brazilian Nuggets reacenderam o interesse. Bandas como Made in Brazil seguem ativas, provando a força desse legado.
A década de 70 foi um caldeirão criativo, onde o rock se fundiu à identidade brasileira. Resgatar essas bandas é reviver uma parte essencial da história musical do Brasil, que merece ser celebrada.

Amante de livros, músicas e filmes desde que me conheço por gente.
Livreira há muitos anos.
Criadora e redatora chefe do Meu Momento Cultural.
A minha vontade de dividir essa paixão, me trouxe até aqui.
Tema super válido! O rock brasileiro dos anos 70 foi mesmo um caldeirão criativo, cheio de ousadia e identidade. Uma pena que tenha sido tão ofuscado, resgatar essa história é valorizar uma parte essencial da nossa música. Que bom ver esse reconhecimento ganhando espaço!